O milagre chamado Constança José
Há quem diga que as amizades têm prazo de validade mas eu tenho a sorte de ter várias com o estado decretado como vitalício. Podemos estar mais ou menos tempo sem nos vermos mas a afinidade nunca se perde, os assuntos não acabam, o abraço apertado e sentido é reciproco. O Fernando e a Paula José fazem parte deste grupo de amizades vitalícias. A amizade nasceu cedo, através das minhas irmãs e do coro, mas sobre isso até já falei aqui. Hoje o que venho partilhar é a história, na 1.ª pessoa, do nascimento da Constança José. Estivemos grávidas juntas, ambas recebemos a notícia com muita alegria e surpresa também! Lembro-me como se fosse hoje de estarmos a trocar mensagens, eu para lhe dar a minha grande novidade e, qual não foi o meu espanto, quando recebo de volta a mesma notícia! Foi uma verdadeira explosão de alegria, por eles, por nós, pela coincidência, pelo dom da vida e Graça de Deus. Tínhamos poucas semanas de diferença, sendo suposto que as nossas filhas - ambas meninas - nascessem em agosto. O destino juntou-nos na alegria da maternidade mas, pelo meio, pregou um valente susto a esta família que amo de coração e em julho, às 33 semanas, a Constança "teve" de nascer. Foram semanas de angústia, as que antecederam o nascimento e as tantas que se seguiram até a Constança ter alta da neonatologia do HSM. Mas felizmente esta é uma história com final feliz, que há tanto tempo tinha pedido à Paula que partilhasse comigo, para poder partilhar aqui como um exemplo de coragem, de determinação e de fé. O texto chegou hoje, minutos depois de saber que a minha sobrinha/afilhada está enorme e de boa saúde na barriga da mana Sandra. Quando tudo corre bem damos Graças a Deus; quando as surpresas menos boas nos apanham, levantamos a cabeça e seguimos em frente crentes de que Deus sabe o que faz. Obrigada querida amiga por este texto que me deixou verdadeiramente emocionada, pela intensidade e pelo tanto de ti que partilhas connosco. Muito obrigada do fundo do coração! És um exemplo de coragem e fé na minha vida!!!
Ter um bebé prematuro pode ser semelhante à sensação
de sair de um comboio em andamento. Não era aquela a paragem prevista, o
impacto de cair no solo é abalador, não houve sequer tempo para agarrar as
malas (tanta coisa que faltava ainda preparar) e certamente faltava parte do
caminho onde se contemplaria a paisagem, se sonharia com o destino final e se
fariam os preparativos para a chegada do bebé. Nada disso é habitualmente feito
com um prematuro.
Como se alguém nos empurrasse, saímos dos
carris. E o destino de sonho com que sonhámos, o bebé lindo e sorridente que
adivinhámos ao ler os blogs, catálogos de roupa, grupos de facebook e afins,
chega-nos em forma de um bebé muito pequeno, frágil, envolvido em fios, vedado
dos nossos braços por um berço de vidro fechado. O bebé já não mora na barriga,
mas não ocupou o seu lugar devido. Ter um bebé prematuro é ter um colo vazio. É
amar à distância. Adiar o encontro. É fazer do tempo um escoar lento de
segundos em que se espera... Espera-se o que o neonatalogista vai dizer, o que
as enfermeiras vão dizer, o que os resultados vão dizer... enquanto o coração
se silencia e aguarda. A mãe cuida. A mãe embala. A mãe alimenta. A mãe beija e
cheira. A mãe protege.
Os mandamentos da maternidade ficam
adiados numa neonatologia. Mas mesmo nessas condições, a mãe cumpre o
mandamento maior: a mãe ama. E nesse amor, espera. Até ao dia em que lhe é
permitido encher o colo, o corpo, o coração e todos os sentidos, no momento em
que a enfermeira lhe pousa o bebé nos braços. Um momento de cada vez, um fio a
menos, um olhar aberto, um resultado positivo... os dias passam e a esperança
reconstrói-se. O pai, tantas vezes o pilar da serenidade e de otimismo, cala
para si os mesmos medos da mãe. Pai e mãe oscilam muitas vezes, entre as mãos
dadas num abraço a dois à incubadora e um distanciamento de quem vive de formas
distintas (homem e mulher) a mesma dor.
Após um percurso que pode ser de dias,
semanas ou meses, a porta do hospital fecha-se e os pais abrem a porta de casa
ao seu bebé. Poder-se-ia respirar fundo de alívio e pensar que o livro da
prematuridade ficaria por ali, que tudo ficaria guardado num álbum de
fotografias, mas esta pode ser uma viagem demorada. Os bebés prematuros
enfrentam elevados riscos de complicações a vários níveis, nomeadamente no seu
desenvolvimento motor e intelectual. E ao trazer o filho para casa, os pais
trazem também um coração apreensivo, muitos medos e inseguranças, muitas
dúvidas e incertezas. Como lidar com o bebé, como promover o seu desenvolvimento,
como avaliar os sinais de alerta, como gerir os sentimentos.
Muitos são os desafios que o regresso a
casa implica. E para além das consultas de rotina, os pais destacam
frequentemente a necessidade de orientações, de avaliação e de recomendações
para cada etapa do desenvolvimento. É portanto essencial que as respostas ao
bebé prematuro sejam igualmente dadas aos pais, também prematuros. Para que,
mesmo saindo numa paragem antecipada, mesmo mudando a rota do percurso, a
viagem seja o mais perfeita possível.
A minha filha esteve 45 dias nos cuidados
intensivos, teve alta no dia em que eu e o pai fizemos 16 anos de casados, durante
quase um ano foi dependente de oxigénio suplementar, resultado de uma displasia
bronco pulmonar, fez medicina física de reabilitação durante 3 anos, 2x por
semana, foi seguida mensalmente na especialidade de neonatologia e pneumologia,
hoje faz unicamente consultas de rotina.
Um bebé pode nascer prematuro por
variadíssimas razões, a mãe carrega sempre uma grande culpa…eu fui submetida a
uma cirurgia (laparotomia) às 23 semanas de gravidez, tinha um tumor no ovário,
pelas manobras da cirurgia tive rotura da bolsa e fiquei internada até ela
nascer com 33 semanas.
Agradeço ao meu bom Deus por nunca me ter
deixado ir abaixo, por ser o meu companheiro de dia e de noite sem nunca
mostrar cansaço e por todos os que rezaram por nós, sei que foram muitos e em
vários lugares… à minha filha Constança por nunca ter desistido, por ter lutado
com todas as suas forças…ao meu marido que sempre me apoiou, o meu maior
suporte…ao meu filho que nunca me disse: “tenho medo” (e tinha muito)… à minha
mãe que me acompanhou sempre e até hoje…aos meus familiares e amigos de uma
forma geral, sem eles tudo teria sido bem mais difícil… por último mas não
menos importante, a toda a equipa do HSM a quem devo a minha vida e a da minha
querida filha, tenho-os sempre presentes na minha vida e no meu coração.
Devia-te isto Telma!
Um beijo enorme de quem te admira e gosta muito
de ti,
Paula José
P.S.: Amiga não me passou despercebida a forma como numa linha apenas referiste maldito tumor no ovário. Para mim define o tanto que és como pessoa e como mãe. A capacidade de dar a vida pela tua filha (literalmente!), de esqueceres os teus problemas e angústias por um bem maior... é algo que não se explica... obrigada mais uma vez pela partilha.
Comentários
Muito grata pelas tuas palavras e pela tua amizade!
Espero ter enriquecido ainda mais o teu blog com a minha/nossa história que tu tão bem conheces.
Só há uma forma de comemorar isto: antes do final do ano têm de ir almoçar a nossa casa,em Lisboa,claro!
Quero que vejas o colar (contas verdes com pendente rosa e letra a branco) da minha Constança e me digas se gostas destas cores ou se preferes outras e ainda se preferes iguais ou diferentes para as tuas C (se calhar é melhor diferentes para poderes conjugar com as roupa e assim os 2 davam para as duas uma vez que têm o mesmo comprimento) Beijooooooooooo